28 de jun. de 2007

O que a bula nem sempre explica...




A maioria das pessoas, sem querer, na hora de tomar os remédios prescritos por seus médicos, reduz a eficácia ou agrava os efeitos colaterais dos medicamentos. Entenda de vez por que isso ocorre. Não é somente a automedicação que oferece riscos à saúde.
Quando se trata do consumo de remédios, mesmo os prescritos pelos médicos podem causar problemas ao paciente — desde a perda da eficácia da fórmula até efeitos colaterais graves.
Tudo irá depender de como e com o quê o medicamento será ingerido. Para falar sobre esse assunto que ainda provoca muitas dúvidas, Viva Saúde entrevistou a farmacóloga Patrícia Medeiros de Souza, com mestrado e doutorado em Farmacologia pela Universidade de Campinas (Unicamp) e professora adjunta de Farmacologia Clínica e Hospitalar da Faculdade de Saúde da Universidade de Brasília (UnB).
Viva Saúde: Comprimidos, drágeas ou cápsulas precisam ser tomados somente com água?
Patrícia Medeiros: Nem todos os remédios precisam ser ingeridos necessariamente com água. Mas essa acaba sendo a recomendação da maioria dos médicos, porque durante a consulta e a prescrição do medicamento eles nem sempre dispõem de uma base de dados suficiente para garantir que aquela fórmula será compatível com outro tipo de líquido. Algumas associações, já se sabe, podem retardar ou mesmo reduzir a eficácia dos medicamentos.
VS: Existe alguma restrição em ingerir comprimidos com chás?
Patrícia: Normalmente, os chás de erva-doce, capim-limão, hortelã e até camomila, que parecem totalmente seguros à primeira vista, alteram o movimento do estômago e, por isso, acabam retardando muito mais a absorção do medicamento pelo organismo. Por exemplo, um remédio que seria absorvido em meia hora ou 40 minutos pode levar até duas horas para fazer efeito. A mistura de remédio com alguns chás também levam a reações perigosas. O chá de camomila, por exemplo, tem um princípio ativo que afina o sangue e o ácido acetilsalicílico (substância ativa da aspirina, AAS...) também apresenta esta ação anticoagulante. Quando eles são tomados juntos, pode ocorrer sangramentos.
VS: É verdade que tomar remédios com refrigerantes pode intoxicar o organismo? Por quê?
Patrícia: Quando ingerimos qualquer comprimido, primeiro ele vai para o estômago e se transforma em líquido, em seguida é distribuído no organismo e se liga a um receptor, onde acontece a ação farmacológica. Depois disso, não interessa mais que ele continue no organismo e acontece a eliminação. Os refrigerantes, especialmente os cítricos, que contêm suco de toranja (grapefruit), inibem as enzimas do fígado e impedem que o remédio seja eliminado. Como as pessoas não sabem que isso ocorre, tomam um outro comprimido e se intoxicam sem saber.VS: Por que o suco de laranja não deve ser bebido com hipertensivos?Patrícia: O suco ativa as enzimas digestivas que trabalham mais e acabam destruindo parte do medicamento. É por isso que a eficácia do hipertensivo, se tomado com suco de laranja, pode ser reduzida a 50%.
VS: O remédio pode ser partido?
Patrícia: Não, já que é impossível garantir que a metade do comprimido apresente exatamente 50% de todos os compostos usados na fórmula. A própria garantia que o laboratório oferece quanto à eficácia do seu produto se refere ao comprimido inteiro. Tão perigoso quanto partir o remédio ao meio é guardar a parte que sobrou desprotegida de agentes externos. Certamente, o medicamento estará contaminado, porque o invólucro que o embala foi aberto. A situação é ainda mais delicada no caso de remédios em drágeas — aquele comprimido com revestimento brilhante. Sua capa gastrorresistente tem a finalidade de passar pelo estômago, suportar a ação dos ácidos gástricos e só liberar o princípio ativo no intestino. Quando estas camadas são quebradas antes, esse resultado esperado do remédio fica comprometido. Esse procedimento é especialmente perigoso quando se trata de antibióticos.
VS: Pode-se tomar água ou outro líquido após a ingestão de um medicamento de sabor desagradável?
Patrícia: Sim, mas neste caso tome água. O ideal, porém, é procurar alternativas de consumo, especialmente para as crianças — algumas costumam enjoar e vomitar quando sentem um gosto amargo ou diferente. É por isso que os laboratórios mascaram o sabor de alguns medicamentos com essências, estudadas para não interferir em sua ação e eficácia no organismo. Os remédios infantis são sempre mais docinhos, como os xaropes.
VS: É permitido triturar o comprimido se não conseguir engoli-lo?
Patrícia: Essa não é uma atitude recomendada, apesar de ser inevitável às vezes. O correto seria procurar no mercado farmacêutico o mesmo remédio, porém na forma líquida.
VS: Os medicamentos podem ser dissolvidos sob a língua?
Patrícia: Não. Os comprimidos precisam ser dissolvidos no estômago com um pH mais ácido, caso contrário não haverá efeito. Portanto, nada de dissolver debaixo da língua ou mastigar os medicamentos, como fazem muitos idosos.
VS: Podemos mastigar as pastilhas para dor de garganta ou tomar água depois de dissolvê-las na boca?
Patrícia: É para chupar a pastilha e não mastigá-la. E só devemos tomar água depois que ela estiver totalmente dissolvida.
VS: Muitas pessoas ingerem leite ou antiácidos antes de tomar medicamentos que irritam o estômago. Esta é uma atitude certa?
Patrícia: Tomar leite para proteger o estômago é um mito, porque ele vai aumentar ainda mais a acidez e, com isso, irritar além do necessário o estômago. Além disso, o cálcio presente na bebida pode cortar o efeito de alguns remédios, como os antibióticos. Já os antiácidos também precisam ser evitados, uma vez que mudam o pH do estômago, retardando ou reduzindo o efeito do medicamento.
VS: Quando os medicamentos devem ser ingeridos: antes, durante ou após as refeições?
Patrícia: Depende do remédio. Algumas drogas, por irritarem o estômago, precisam ser ingeridas durante ou logo após o almoço. Outras são melhor absorvidas quando o estômago está vazio. Essa, portanto, deve ser uma orientação dada pelo médico, mesmo porque há alguns casos em que o comprimido necessário ao tratamento pode não ser compatível com um determinado alimento.
VS: Quando uma pessoa precisa tomar vários remédios ao dia, como ela deve proceder?
Patrícia: É preciso fazer um ajuste de horário para saber se pode tomar o medicamento com o leite do caféda- manhã ou perto das refeições, de forma a não prejudicar muito a rotina alimentar da pessoa. Essa é uma prescrição balanceada, normalmente aplicada quando o paciente tem ao seu lado um profissional de saúde para ajudá-lo a manter a adesão ao tratamento médico.
DOSES DE BOM SENSO
Nunca recorra a automedicação.
Tome o remédio, prescrito pelo médico, somente com água.
Não triture, amasse ou coloque o medicamento para dissolver debaixo da língua, isso comprometerá o tratamento.
Antes de aceitar a prescrição de um novo remédio, revele ao seu médico quais são os medicamentos que você já toma. Isso pode fazer toda a diferença, uma vez que algumas interações medicamentosas podem prejudicar o organismo.
Siga exatamente o número de doses do medicamento e os horários de consumo recomendados pelo médico. Mas muita atenção: cortar o remédio ao meio ou alterar qualquer detalhe da prescrição pode diminuir a eficácia da droga e provocar efeitos inesperados graves. Mesmo com as devidas orientações médicas, é importante sempre ler atentamente a bula.

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